Diagnóstico de asma deve ser confirmado por provas de função respiratória

Fumador há mais de 20 anos, Manuel Santos começou a sentir falta de ar a subir as escadas do prédio onde morava no 2º piso. Optou por subir pelo elevador. Quando a falta de ar passou a interferir com as suas actividades diárias, resolveu procurar um médico, que lhe disse que tinha asma. Dois anos mais tarde, Manuel Santos acabou por descobrir, depois de uma ida à urgência, que, afinal, não sofre de asma, mas de doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) moderada. Perdeu-se a oportunidade de um diagnóstico correcto precoce.

Sofia tem onze anos. Preocupados com o facto de a criança ter frequentemente tosse e pieira, os pais levaram-na ao médico, que, mesmo sem se socorrer de quaisquer exames, diagnosticou asma. A medicação não resolveu nada e algum tempo depois veio a saber-se que, afinal, a criança tinha uma disfunção das cordas vocais.

Casos como estes são reais. Um estudo publicado no final de 2008 no Canadian Medical Association Journal sugere mesmo que um que cada três adultos com diagnóstico de asma pode não sofrer desta doença.

“Quando avaliámos as pessoas com testes de função pulmonar e retirámos a medicação, não encontrámos asma em 29% dos não obesos e em 32% dos obesos”, afirma o autor do estudo, o Dr. Shawn Aaron, da Divisão de Medicina Respiratória do Instituto de Investigação em Saúde na Universidade de Ottawa, no Ontário, Canadá. Muitos destes casos resultariam, na verdade, de infecções virais, cujos sintomas podem arrastar-se no tempo.

A asma também pode ser confundida com outros problemas de saúde, como a DPOC ou a insuficiência cardíaca congestiva. Isto acontece porque muitos dos sintomas são comuns. Daí a necessidade de confirmar o diagnóstico clínico.

“Precisamos de medições objectivas. Não podemos diagnosticar a asma baseados apenas nos sintomas do doente”, considera a Dra. Jennifer Appleyard, médica no St. John Hospital, em Detroit.

Os autores do editorial publicado no Canadian Medical Association Journal, a propósito daquele estudo, vão mesmo mais longe: “Tentar abordar a asma sem fazer testes de função respiratória é o mesmo que tratar a hipertensão arterial sem medir a pressão ou tratar o colesterol elevado sem medir os níveis de colesterol no sangue” 

Asma confundida com DPOC

Um dos exemplos mais flagrantes de erro no diagnóstico é a confusão entre asma e DPOC nos adultos, sobretudo quando não se recorre a testes objectivos, designadamente a espirometria, que permitam ajudar a distinguir as duas patologias em causa.

A má caracterização da doença e os erros de diagnóstico acontecem em todo o lado, não é só entre nós. Em Novembro do ano passado, A Fundação Britânica do Pulmão chamou todos os indivíduos com mais de 35 anos e diagnóstico de asma ou DPOC (tendo em conta que a esmagadora maioria dos casos de DPOC se deve à exposição continuada ao fumo do tabaco) para serem submetidos novamente a exames, face aos crescentes relatos de confusão entre estas duas doenças respiratórias. As razões incluem falta de pessoal treinado para fazer as espirometrias ou dificuldades na interpretação do teste.

Como explica o porta-voz da Fundação, “na asma, o objectivo é restaurar a função pulmonar. Se a asma não for correctamente tratada, a inflamação que lhe é característica pode afectar os pulmões e provocar lesões permanentes. Na DPOC, a abordagem é bastante complexa e os tratamentos, como a reabilitação respiratória, são cruciais”.

Embora se trate de uma doença progressiva e irreversível, a DPOC, uma espécie de “guarda-chuva” onde cabem a bronquite crónica e o enfisema, pode ser prevenida e tratada, sendo que o diagnóstico e o tratamento precoce podem, senão travar, pelo menos abrandar a sua inevitável progressão. Actualmente, a DPOC mata mais do que o cancro da mama ou da próstata.

Com efeito, um mau diagnóstico pode prejudicar os doentes, na medida em que são levados a tomar medicamentos de que não necessitam e são privados do tratamento correcto para a patologia de que verdadeiramente padecem, o que é susceptível de agravar significativamente o seu estado a médio e longo prazo.

A ausência de recurso a testes objectivos tem outro senão. Em doentes com asma, mas em que o diagnóstico se baseia unicamente na percepção dos sintomas, o tratamento instituído pode ser insuficiente, isto é, pode ficar aquém do que era preciso.

Assim, os exames objectivos como a espirometria são essenciais quer no diagnóstico, quer na avaliação da gravidade, interessando tanto na asma como na DPOC. 

O problema pode estar nas cordas vocais

No caso das crianças e adultos jovens, o diagnóstico diferencial de asma faz-se mais com outras doenças que não a DPOC – é o caso da disfunção das cordas vocais (DCV), uma situação menos grave  mas difícil de diagnosticar.

Esta disfunção caracteriza-se essencialmente pelo estreitamento anormal das cordas vocais durante a inalação, o que provoca obstrução. Em resultado, ocorre um ruído parecido com a pieira. Uma crise de DCV pode facilmente ser confundida com uma exacerbação de asma, mas não responde aos medicamentos utilizados para a asma.

De facto, o tratamento desta disfunção baseia-se em técnicas de ensino de respiração e relaxamento. Mais uma vez, a utilização da espirometria durante um ataque pode ser bastante elucidativa.

Um estudo realizado no Columbus Children’s Hospital (agora chamado Nationwide Children’s Hospital) e publicado em 2007 no Pediatric Pulmonology sugere que, se mais serviços de urgência fizessem uso da espirometria, poder-se-ia diminuir o número de crianças com falso diagnóstico e, inclusivamente, o número de internamentos desnecessários.  

Espirometria deve sempre confirmar o diagnóstico

Parece simples evitar os erros de diagnóstico. Basta recorrer a uma espirometria, um exame que permite medir o fluxo de ar e perceber se existe ou não obstrução brônquica. No entanto, calcula-se que cerca de metade dos doentes com diagnóstico clínico de asma nunca foram sujeitos a este exame. Dispensar o teste pode até ser mais rápido e barato, mas tratar de forma empírica pode não ser boa prática.

Mas é preciso que fique claro, a espirometria não fornece um diagnóstico isoladamente, tem de ser interpretada pelo médico à luz da sintomatologia! Isto é, uma espirometria exclui um diagnóstico de DPOC, mas não exclui asma. Por vezes, são necessários outros exames de avaliação respiratória para um diagnóstico correcto. O conjunto dos exames de avaliação respiratória, incluindo a espirometria, são habitualmente chamados “provas de função respiratória” (ou provas de função ventilatória).

A espirometria pode ser realizada com fiabilidade com um equipamento que pode estar presente em qualquer consultório médico, por um preço não muito alto. Mas a verdade é que a interpretação dos resultados da espirometria requer mais treino do que medir a pressão arterial ou interpretar uma análise ao colesterol. Ainda assim, isso não pode servir de desculpa. O desejável é que este teste se torne uma rotina nos cuidados de saúde primários, em vez de ser realizado apenas em hospitais e laboratórios especializados.

Mas este não é o único exame que existe. Outra possibilidade é o peak flow meter, que mede o valor do débito expiratório máximo instantâneo. Quando utilizado pelos doentes no conforto da sua casa, pode perfeitamente confirmar o diagnóstico de asma e ajudar a identificar os agentes ocupacionais que estão na sua origem. No entanto, é muito menos preciso e menos informativo, pelo que, em caso de suspeita de asma, todos os doentes devem ver o diagnóstico confirmado pela espirometria ou outras provas funcionais respiratórias.

Quando necessário, os doentes podem realizar outras provas, por exemplo, a prova de broncodilatação, que consiste na comparação da espirometria antes e depois da administração de um broncodilatador inalado (o tipo de medicação usada para o alívio dos sintomas de asma), ou outras mais complexas, como a prova de metacolina, para o que terão de ser referenciados para um laboratório.

Mas para que os doentes tenham acesso aos melhores meios de diagnóstico, os Governos dos países têm de investir mais na asma. Uma sociedade informada e consciente das técnicas existentes pode participar mais activamente na melhoria dos serviços de saúde.

Fontes:

www.cmaj.cahttp://www.medicalnewstoday.com/articles/130194.php

http://www.sciencedaily.com/releases/2007/08/070830160759.htm 

http://www.medicinenet.com/script/main/art.asp?articlekey=94300

http://health.usnews.com/articles/health/healthday/2008/11/17/

nearly-1-in-3–asthma-cases-may-be-misdiagnosed.html