Tem falta de ar? Sofre crises frequentes de asma? Sente irritação nos olhos, no nariz ou na garganta? O culpado pode estar dentro da sua própria casa. Nesta luta sem tréguas, primeiro há que identificar o inimigo e depois combatê-lo.
Pensa-se que uma em cada 3 pessoas sofre de alguma forma de doença alérgica, como é o caso da asma. Em 60% dos casos, os ácaros são considerados responsáveis. Foi a pensar nisso que o Dr. Pedro Lopes da Mata avançou com um estudo sobre a qualidade do ar que respiramos dentro das nossas casas.
Os resultados são bastante esclarecedores: num universo de 715 casas portuguesas analisadas, cerca de 85% dos quartos e 91% das salas apresentam quantidades moderadas de ácaros do pó doméstico.
O que mais surpreende o imunoalergologista é a elevada quantidade de ácaros registada fora dos quartos dos doentes alérgicos, designadamente nas salas. “Os valores encontrados eram, muitas vezes, superiores aos encontrados nos quartos, que são normalmente considerados como o “nicho” mais rico nestes alergéneos”, indica.
De acordo com este estudo, apresentado pela empresa Health and House Quality (H2Q), no âmbito das VII Jornadas de Alergologia de Lisboa, há diferenças substanciais, quer no que respeita à quantidade, quer ao tipo de alergénios, consoante a região do país onde nos encontramos. Assim, os ácaros estão presentes em maior quantidade nas casas dos lisboetas, quando se compara com outras regiões do país.
Do mesmo modo, o tipo de fungos detectados varia. Em Lisboa, destacam-se os Aspergillus e os Penicillium; já na Guarda, predominam os Cladosporium, Acremonium e Ulocladium. Por vezes, estes fungos são causa de patologias alérgicas e infecciosas.
Microclimas favorecem propagação de ácaros e fungos
Mas quais são, afinal, os principais erros cometidos dentro dos lares portugueses e que explicarão os elevados níveis de ácaros no ar interior?
Segundo o Dr. Pedro Lopes da Mata, estes erros “relacionam-se com todas as actividades, algumas normais e outras desnecessárias, que induzem determinados microclimas dentro de nossas casas, os quais serão responsáveis pelo desenvolvimento dos ácaros e pelo aparecimento de sintomas para os que são alérgicos a estes aracnídeos”.
De que forma isso acontece? O imunoalergologista explica: “Esses microclimas induziriam o aumento da humidade relativa e o consequente benefício para que os ácaros e os fungos se desenvolvam”. Por outro lado, afirma, “a maneira como adaptamos a casa às nossas personalidades não tem em conta a qualidade do ar, até porque passamos 80% do nosso tempo em ambientes interiores e a respirar o ar que aí existe”.
De facto, além de se deverem à criação de microclimas interiores, mais húmidos, que favorecem o crescimento dessas colónias de agentes, muitas alergias são provocadas ou desencadeadas pela falta de ventilação e pelo excesso de mobiliário, que dificulta as limpezas e ajuda a que o pó se acumule.
“As questões arquitecturais são também muito importantes. Desde o desenho de uma casa até à sua construção, estes problemas deveriam estar presentes junto dos responsáveis que colocam casas de banho sem janelas e sem ventilação, sendo que o mesmo se passa com as cozinhas, ou seja, precisamente os locais onde se produz mais vapor de água”, acrescenta.
Os animais domésticos também têm culpas no cartório: “É um fenómeno cultural e de evolução de uma cultura ocidentalizada, já que as alergias ao gato e ao cão eram pouco frequentes nos anos 50. Só muito mais tarde o cão e o gato foram penetrando nas nossas casas e nalguns casos nos nossos quartos, daí resultando uma maior proximidade e aumento da concentração destes alergéneos e respectivo poder de provocar alergias”.
Já os produtos de limpeza (biocidas ou peritrinoides) “normalmente não são indutores de reacções alérgicas, mas sim de reacções tóxicas. Essas moléculas são cáusticas e irritantes da pele e das mucosas. Quando inaladas, podem causar asma ou doença respiratória semelhante. No nosso estudo, apenas fizemos a avaliação em 20 casas, uma vez que exige uma metodologia muito difícil de executar, para além de muito dispendiosa. Em quatro casas, entre as 20 analisadas, encontrámos níveis elevados de biocidas e peritrinoides”, afirmou o Dr. Pedro da Mata.
“Todos deveriam conhecer a verdadeira dimensão do problema”
Para o Dr. Pedro Lopes da Mata, a eliminação dos elementos ambientais causadores de doenças alérgicas, como a asma, é “uma forma de tratamento essencial”, embora esteja “normalmente esquecida”, conforme lamenta.
“Para se atingir o controlo da doença alérgica são necessárias várias medidas, entre elas esta forma de tratamento a que os doentes não estão habituados”, diz.
Assim, em primeiro lugar, “todos deveriam conhecer a verdadeira dimensão do problema, assim como o conjunto de fenómenos que levaram a uma diminuição da qualidade do ar dentro de nossas casas”.
De acordo com o mesmo, “no pós-guerra, houve necessidade de alojar muita população que tinha perdido as suas casas. A construção multiplicou-se, apenas se dando importância à rapidez e ao preço de construção. Nos anos 70, com a crise de energia e a subida dos preços dos combustíveis, isolaram as casas para evitar a perda de calor e a consequente necessidade de gastar mais energia. Surgiram, então, novos processos de construção, que levaram à criação de espaços interiores quase estanques para não se perder o calor e consequentemente as taxas de ventilação e renovação do ar eram insuficientes. Aos inúmeros erros cometidos, associou-se um novo estilo de vida virada para o viver dentro de casa”.
Estes factores foram responsáveis pela alteração do clima interior e pela consequente proliferação dos alergéneos, assim como de outros poluentes dentro desses espaços, pois, para além dos verdadeiros alergéneos, existem poluentes no interior de nossas casas que constituem uma ameaça para todas que nela habitam e muito mais para os alérgicos, em consequência da hiperreactividade que lhes é característica. Esses poluentes podem estar representados em concentrações 10 vezes superiores às encontradas no exterior.
Entre as medidas propostas pelo imunoalergologista e adoptadas pela maioria dos indivíduos contactados durante este estudo estão o arejamento nos horários apropriados, a lavagem de roupas a 60º, a utilização de capas anti-ácaros nos colchões, o controlo do nível de humidade através da aplicação de medidas de arejamento e aquecimento (recurso à utilização de termohigrómetros), a manutenção ou arrumação de peluches, a limpeza frequente e adequada de tapetes e sofás e ainda a utilização de aspiradores com filtros HEPA.
Mesmo quando nos sentimos bem, não podemos esquecer a importância de respirar um ar saudável. “Se pensarmos que a qualidade do ar é uma determinante essencial da saúde em geral e da respiratória e cardiovascular em particular e que a esperança de vida está estreitamente relacionada com as (boas) funções cardiovasculares e respiratórias, percebe-se as preocupações que deveríamos ter para uma melhoria da qualidade do ar interior e da monitorização dessa qualidade”, conclui o especialista.